top of page

O que é Sequestro Internacional de Crianças? A Convenção de Haia de 1980

Atualizado: 2 de fev. de 2022


ree

A primeira vista, pode parecer um tema a ser tratado à luz do Direito Criminal. Afinal, a palavra "sequestro" nos remete diretamente aos crimes de privação de liberdade que visam a obtenção de ganhos financeiros.


Entretanto, o Sequestro Internacional de Crianças, em outros países chamado de "abdução", está previsto na Convenção de Haia de 1980 Sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.


Promulgada no Brasil por meio do Decreto 3.413/2000, a Convenção foi elaborada com o intuito de proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer procedimentos que garantam seu retorno imediato ao Estado (país) de sua residência habitual, bem como assegurar a proteção do direito de visita.


O que é o sequestro internacional?


É a remoção ilícita de uma criança do seu país de residência habitual sem o prévio consentimento de quem detenha o direito de guarda segundo as leis deste mesmo país.


A esmagadora maioria dos casos ocorre após uma separação conjugal em que uma das partes (taking-parent) decide fixar residência em país distinto daquele em que residia até então, sem o consentimento (expresso ou tácito) do outro cônjuge (left-behind parent).


Segundo o art. 3 da Convenção de Haia de 1980, a transferência ou retenção da criança será considerada ilícita quando:


a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e

b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse estar sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.


O direito de guarda pode resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão judicial ou administrativa ou de um acordo vigente segundo o direito do país em que as crianças residiam antes da remoção ilícita.


Cooperação Jurídica Internacional


A Convenção prevê que os países signatários indiquem um órgão responsável por atuar como Autoridade Central para a tramitação dos casos em sede administrativa. Estes órgãos devem cooperar entre si e promover a colaboração entre as autoridades competentes dos seus respectivos Estados, de forma a assegurar o retorno imediato das crianças e a realizar os demais objetivos da Convenção.


Dentre as funções das Autoridades Centrais, destacam-se:

  • localizar uma criança transferida ou retida ilicitamente em seu país;

  • assegurar a entrega voluntária da criança ou facilitar uma solução amigável;

  • dar início ou favorecer a abertura de processo judicial ou administrativo que vise o retomo da criança ou, quando for o caso, que permita a organização ou o exercício efetivo do direito de visita; e

  • acordar ou facilitar, conforme as circunstâncias, a obtenção de assistência judiciária e jurídica, incluindo a participação de um advogado.

No Brasil, as funções de Autoridade Central para a Convenção de Haia de 1980 são desempenhadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional.


Mecanismo do Retorno Imediato e suas Exceções


Como mencionado, a Convenção de Haia de 1980 estabelece que as autoridades do país em que a criança se encontrar (país de refúgio) devem determinar o retorno imediato da criança ao seu país de residência habitual, quando não houver transcorrido prazo superior a 1 (um) ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do país de refúgio.


Em que pese a regra geral ser o retorno imediato, o texto da Convenção indica, no art. 13, que este poderá ser negado quando restar comprovado:


a) que o requerente não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou

b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.


Cumpre ressaltar que a Convenção não utiliza a nacionalidade da criança como elemento de conexão. Isto é, não há qualquer impedimento para que o Brasil determine o retorno imediato de uma criança brasileira a outra país, para que as autoridades daquela localidade apreciem e regulamentem a guarda da criança.


Processamento do Caso no Brasil


Se uma criança for ilicitamente retida no Brasil, o interessado (left-behind parent) poderá requerer, por meio da Autoridade Central de seu país de residencial habitual, o imediato retorno da criança.


Uma vez recebido o pedido da ACAF/MJ, o Estado brasileiro, por meio da Advocacia Geral da União, ingressará com Ação de Busca e Apreensão da criança perante o Tribunal Regional Federal da região em que a criança se encontrar. Havendo decisão judicial favorável, será determinado o retorno e entrega da criança ao interessado.


Caso o requerente assim deseje, poderá ingressar com ação própria pela via privada, por meio de um Advogado legalmente constituído. O grande diferencial é contar com um representante próprio, que poderá intervir nos autos da ação judicial de acordo com a estratégia jurídica adequada, uma vez que a AGU não representa o left-behind parent, mas sim o Estado brasileiro.


Como visto, o sequestro internacional de crianças possui nuances próprias, diferentes daquelas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente ou em legislações nacionais que regulam a guarda, por exemplo. Deste modo, é imprescindível que as partes envolvidas contem com assessoria jurídica especializada em cooperação jurídica internacional para assegurar a correta condução do processo e a garantia dos seus direitos.


Comentários


bottom of page